sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A Lei de Comte e a História

Por R. J. Rushdoony

A historiografia agnóstica e ateísta começa com um ato fundamental de fé, a fé de que Deus nada tem a ver com a história. Essa premissa nada tem a ver com a ciência ou com a história: é um teorma pré-teórico através do qual toda fatualidade é analisada. Isso, Lucrécio afirmou aberta e claramente: "O princípio básico a que nos devemos ater como nosso principal é que nada jamais fora criado por divino poder."[1] Através deste ato de fé é a história declarada ser a arena da ação humana, a parte de qualquer determinação ou operação divinas.

Feita tal premissa, os acadêmicos então prosseguem em aplicá-la à história. A história, assim, torna-se simplesmente a luta e o desenvolvimento do homem num universo desprovido de sentido. Essa aplicação é, então, tomada como “prova” da premissa mesma que a produziu! Claramente, isto é um raciocínio cíclico: é um raciocício de fé em fé, e culpado do próprio processo do qual acusa os Cristãos.

Um exemplo clássico é a “Lei dos Três Estágios” de Augusto Comte (1798-1857) em A Filosofia Positiva. Comte negou a Deus; portanto, a presença de Deus na história era mitológica, e o progresso na história era o progresso da teologia à ciência positivista. Os três estágios pelo qual cada ramo do conhecimento passa são, portanto, o Teológico ou fictício; o Metafísico ou abstrato; e o Científico ou positivo. O homem passa de um desejo pelo significado a um reconhecimento pragmático de que significado não existe e deve, na realidade, ser analisado metodologicamente e pragmaticamente. Através desse esquema simples, Comte aplicou a doutrina da evolução social (que muito precedeu a evolução biológica) à história e relegou a teologia à idade do mito. Que o esquema geral de Comte ainda é tão extensivamente adotado, é evidência do poder da fé sobre o fato, porque a história claramente mostra um quadro bem diferente.

É possível, com bastante precisão e por conveniência, dividir o desenvolvimento do pensamento em três bem diferentes estágios, esses, sim, sobremodo aparentes na história. O primeiro estágio do pensamento humano foi a cosmovisão político-mágica. A não ser pelos Hebreus, essa perspectiva governou toda a antiguidade, governava o Império Romano na era Cristã e, desde então, contina a governar o mundo não Cristão. Para entendermos o significado da cosmovisão político-mágica, é importante definirmos o que é mágica.

Uma definição assim requer uma distinção entre a técnica e o propósito da mágica. Muito comumente, a mágica é explicada em termos de técnicas primitivas e é, assim, expelida da cosmovisão moderna. Entretanto, a mágica é melhor definida em termos de seu propósito; as técnicas tem variado de cultura para cultura, mas o propósito permanece intacto. O propósito da mágica é ganhar controle autônomo sobre o homem, sobre a natureza e sobre o sobrenatural, controle sobre a totalidade do que realmente existe, como quer que isso seja definido. A ciência moderna, tendo firmemente abandonado suas origens Cristãs, é governada cada vez mais por mágica, por um desejo de controle total sobre a realidade. Na perspectia bíblica, a ciência é uma atividade necessária da sociedade e do homem piedosos ao passo que eles buscam entender e subjugar a terra sob Deus e em obediência ao Seu mandato cultural dado na criação. Na fé mágica, o homem almeja o controle total um ato em desprezo, desafio e descrença.

Desde o começo da história, um dos melhores, se não um dos mais fáceis, meios de exercer este controle tem sido pelo controle político. Como resultado, mágica e política fizeram aliança desde cedo. A consequência foi que, na antiguidade, a salvação não era religiosa; a salvação era política. A religião era um aspecto subordinado da vida antiga, simplesmente um departamento do estado, uma divisão de bem-estar social e obras públicas. A orientação principal do homem era política; pode-se dizer que sua religião era política, se usarmos religião como veículo de salvação. O estado e seus governantes, nesta comovisão político-mágica, eram, em certo sentido, divinos: eram os controladores da totalidade da realidade. A comovisão político-mágica suplantou, assim, Deus e a religião com uma ordem mágica totalitária.

Mesmo um olhar passageiro em culturas antigas e não Cristãs revela a prevalência dessa ordem políto-mágica. A adoração a Baal no Oriente Médio era a adoração dos senhores, naturais e políticos, que governavam toda a realidade.  Os governantes políticos prontamente adotavam o baalismo em vista de comandar aquele controle total oferecido por esta cosmovisão político-mágica. A adoração a Moloque, com sua demanda por sacrifícios humanos, era político-mágica, e Moloque significava literalmente “rei.” Os curandeiros das tribos indígenas Americanas tinham pouca relação com religião; sua função era mágica, e a medicina era uma faceta de seu controle sobre a realidade. As tentativas do césaro-papismo de absorver a Igreja Cristã representa uma tentativa de reduzir a igreja a um aspecto da ordem político-mágica, em oposição a permitir que a igreja esmague aquela ordem e a refaça numa ordem religiosa.

O segundo estágio do pensamento humano tem sido o religioso ou Cristão. Com a vinda de Cristo, o estágio religioso, anteriormente altamente restringido aos Hebreus, agora iniciava sua caminhada em direção à conquista do mundo. O resultado foi a guerra imediata entre Cristo e os césares, que nada mais fora que uma batalha entre a cosmovisão politico-mágica e a cosmovisão bíblica. É o costume, agora, dos novos mitologistas, tratar a perseguição dos Cristãos como majoritariamente lendária. A realidade é muito diferente, entretanto. Roma engendrou uma tentativa de varrer o Cristianismo. Primeiramente, isso se deu pelo assassinato judicial de membros seletos e líderes. Finalmente, tornou-se a tentativa de assassinato em massa um povo inteiro. Foi uma longa e terrível batalha, mas o império, embora possuísse o poder da espada e de forma selvagem o utilizasse, finalmente perdeu.

Em Jesus Cristo a vida foi restaurada  de uma cosmovisão político-mágica a uma cosmovisão religiosa. Na queda de Adão, sua tentativa de ser como Deus (Gn 3:5), nasceu a perspectiva político-mágica. Na tentação de Cristo, a cosmovisão político-mágica foi vencida. Vida e salvação foram restauradas a uma dimensão religiosa.

O resultado foi uma nova historiografia. A velha fora nulificada. Ela simplesmente narrava a conquista de poder e era antiquada em tudo mais. Ao invés de movimento e progresso na história, a história antiga simplesmente citava poder e controle. Santo Agostinho apontou o conflito da história, a Cidade de Deus e a Cidade do Homem, entre a religião bíblica, entre o Cristianismo, e a ordem político-mágica. A história, portanto, tem um propósito, o triunfo da cidade celestial, e é, portanto, apta para o progresso. Há desenvolvimento em ambas as cidades, conforme cada uma exercita as implicações de suas pressuposições. O único desenvolvimento que Platão poderia visionar era um de grandes controle sobre o homem, uma ordem comunizada, porque sua perspectiva era político-mágica. Em Agostinho, a meta está aberta à imaginação: as cidades crescerão, não em controle, mas em suas auto-consciências epistemológicas, e o futuro é tanto certo como desconhecido. O progresso da história Ocidental é único na história do mundo; é simplesmente um produto do triunfo da cosmovisão bíblica, a substituição das ordens político-mágicas pela religião Cristã.

O terceiro estágio está agora em evidência: a tenttiva de restaurar a ordem político-mágica. A cosmovisão Cristã foi introduzida extensivamente em cada continente. Os leões adormecidos da ordem político-mágica levantam-se por toda parte. Na cultura Ocidental, eles estavam ativos nos avivamentos neo-platonistas, no Aristotelianismo, na Renascença e no Iluminismo. A ONU hoje é a ordem político-mágica mundial, e virtualmente o são também todas as nações. As igrejas foram largamente capturadas pela mágica e, de acordo, tem um evangelho social e político. A salvação tornou-se política novamente, e a salvação Cristã é ferozmente denunciada como irrelevante e obscurantista. A batalha ocorre entre o estado como deus e Deus como Deus.

Portanto, não é presunçoso postular a ascenção de ainda outro estágio, uma vez que Deus é Deus e Ele prevalecerá: uma ordem Cristã triunfante ao redor da terra, e a supressão da cosmovisão político-mágica. Uma vez que Deus tem tudo a ver com a história, cada amanhã é em termos dEle. Não há outra história.


Sobre o autor: Rousas John Rushdoony (25 de abril de 1916 - 08 de fevereiro de 2001) foi um filósofo calvinista, historiador e teólogo e é amplamente creditado como o pai do Reconstrucionismo Cristão e uma inspiração para o movimento de educação domiciliar cristão moderno. Seus seguidores e críticos tem argumentado que seu pensamento exerce considerável influência sobre a direita cristã evangélica.

Sobre o texto: O texto traduzido aqui é o capítulo 10 do livro The Biblical Philosophy of History.



[1] Esta tradução é dada por Gordon H. Clark: A Christian Philosophy of Education (Grand Rapids: Eerdmans, 1946), 31. Esta sentença de De Rerum Nature I, 148-150, é dada no livro Lucretius on The Nature of Things (Bohn’s Classical Library, 1904), 10, de John Selby Watson, como “nosso princípio primeiro deve daí tirar seu começo, QUE NADA É JAMAIS DIVINAMENTE GERADO DO NADA.”

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