sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Governo e Economia

Leviatã, de Thomas Hobbes


É uma verdade patente a todos que o governo brasileiro intervém maciçamente na economia. Não só isso, mas a própria cultura nacional é construída de forma que o brasileiro, desde muito cedo, aprende a ver o governo como uma espécie de Messias salvador, como aquele que tem a responsabilidade de solucionar todos os problemas sociais e de garantir uma vida digna a todos.

O fenômeno estatista não é observado com exclusividade em terras tupiniquins. De fato, é um fenômeno mundial, e de natureza essencialmente religiosa. Não trataremos de suas origens neste artigo.

O governo é, segundo Mises, o aparato social de coerção e compulsão. Sua função, de acordo com São Paulo, é ser um ministro vingador de Deus, aquele que detém o poder da espada (uso da força) para punir criminosos (Romanos 13:1-6). O estado não é uma empresa. Não fornece nenhum serviço sujeito à vontade soberana do consumidor. O estado existe e atua independentemente de nossa vontade e, mais do que isso, o estado tira sua receita através da força bruta. Nós não pagamos impostos voluntariamente ao estado. Pagamos porque somos obrigados a pagar.

Grande parte da sociedade em geral, e dos economistas em particular, acredita que, em tempos de crise, o estado deve entrar na economia para estimular a demanda. O arcabouço intelectual que sustenta esta crença é a doutrina Keynesiana, que tem seu nome emprestado do economista britânico John Maynard Keynes. Após a grande crise de 1929, Keynes postulou que, em vista do altíssimo e crescente desemprego e do esfriamento da atividade econômica, era necessário que o estado investisse em obras públicas e outras benesses com o objetivo de estimular a demanda. Assim, pensava Keynes, o estado estaria ativando a economia, visto que com mais demanda, mais investimentos seriam gerados e mais empregos, por consequência, seriam criados.

Esta teoria espalhou-se por todo o mundo Ocidental e pôs fim à era dourada do liberalismo econômico do século XIX. O Leviatã, agora, acordara e voltara à ativa. Os anos 30 do século XX viram o tamanho do estado aumentar de forma nunca antes vista. Criava-se, assim, o estado de bem-estar social. A euforia tomava conta da sociedade, afinal, tudo estaria bem com o estado sustentando a economia e cuidando cada vez mais das necessidades dos cidadãos.

Apesar dos efeitos iniciais aparentemente benéficos, os economistas austríacos[1] sempre alertaram para o resultado da intervenção a longo prazo. Seu alerta deriva-se do postulado misesiano da ação humana. Para entendermos minimamente o motivo pelo qual a ação do estado na economia não é benéfica e, a longo prazo, é destruidora, precisamos entender esse postulado.

O Postulado da Ação Humana

Ludwig von Mises (1881-1973) postulou o seguinte: o homem age. Inicialmente, este postulado pode ser bem óbvio e simples. No entanto, ele tem consequências importantíssimas para a economia. A ciência econômica só pode ser corretamente entendida pelo postulado de Mises. De outro modo, tudo que teremos serão falsas teorias e, como consequências, políticas econômicas desastrosas.

Quando dizemos que o homem age, significamos o seguinte: o homem prefere uma coisa à outra, como forma de satisfazer algum propósito. Este postulado é uma verdade a priori, ou seja, não necessita da experiência para prová-la. Na verdade, a experiência não pode negá-la jamais. É uma verdade fundamental do homem, a respeito de sua estrutura natural. É como as verdades matemáticas, que são todas derivadas da estrutura lógica da mente humana. Quando Gottfried Leibniz desenvolveu o conceito de integral, não era necessário ir a um laboratório e verificar experimentalmente aquele fato, como foi para Newton demonstrar suas leis da mecânica.

Negar o postulado da ação humana é uma tarefa impossível. Negar algo implica numa ação, o que por sua vez já demonstra a validade do teorema. Também devemos ter em mente que o postulado não depende da psicologia. Basta a nós a verdade de que os homens agem com um propósito de reduzir ou evitar algum desconforto. Os motivos da mente que levam os homens ou grupos de homem a agirem de determinada maneira não importam à ciência econômica.

Corolário: Relação Custo-Demanda

Um corolário importante do postulado da ação humana é a simples, contudo importante, lei da economia que diz que a demanda por algo é proporcional ao seu custo. Se o custo para alguém tomar uma decisão qualquer aumenta num dado espaço de tempo, o número de indivíduos que terão o propósito daquela ação em valor mais alto do que o novo custo será menor. Assim, menos pessoas atuarão daquela maneira. Este é exatamente o propósito da lei civil, e tal lei está de acordo com a determinação divina da punição aos criminosos.

O homem, pois, que se houver soberbamente, não dando ouvidos ao sacerdote, que está ali para servir ao Senhor teu Deus, nem ao juiz, esse homem morrerá; e tirarás o mal de Israel;
Para que todo o povo o ouça, e tema, e nunca mais se ensoberbeça.

Deuteronômio 17:12-13
O homem, pois, que se houver soberbamente, não dando ouvidos ao sacerdote, que está ali para servir ao Senhor teu Deus, nem ao juiz, esse homem morrerá; e tirarás o mal de Israel; para que todo o povo o ouça, e tema, e nunca mais se ensoberbeça. 
(Deuteronômio 17:12-13)

Porque os magistrados não são terror para as boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal.(Romanos 13:3-4)

Este corolário é especialmente importante para entendermos o motivo da intervenção governamental na economia ser prejudicial em todos os aspectos, conquanto possa parecer benéfica em primeira instância.

A Falácia da Janela Quebrada

O que significa dizer que o governo interviu na economia? Significa que ele injetou dinheiro investindo em obras ou projetos que gerem algum tipo de demanda. O que precisamos nos perguntar, entretanto, é: de onde vem este dinheiro? E a resposta é: do mesmo lugar de onde o governo tira seu dinheiro, ou seja, de impostos.
Quando entendemos que o dinheiro que o governo "investe" na economia é tomado a força de seus cidadãos, então podemos ver a razão de chamarmos esta intervenção de falácia da janela quebrada. A validade desta doutrina é a mesma validade da afirmação de que quebrar janelas em um bairro pode ser bom para a economia local, pois estimulará a industria a produzir mais vidros. Isto é o que se vê. O que se não vê é o fato de que o dinheiro que foi gasto na compra de janelas foi drenado de outros gastos que estavam mais de acordo com os desejos e planos dos moradores locais. Ou seja, todos se tornaram relativamente mais pobres, porque menos pôde ser gasto para satisfação de seus desejos. 

O mesmo podemos dizer de guerras. Guerras destroem, não criam. Numa guerra, um povo precisa se preocupar com necessidades que, em tempos de paz e prosperidade, estariam longe de suas mentes. Se vêem obrigados a gastar de forma que, caso houvesse paz, não gastariam. Em outras palavras, estão mais pobres. A situação é análoga a de um lugar com muita violência.

Note que todas estas conclusões foram tiradas de um só lugar: o postulado da ação humana. Fica mais fácil agora entender sua importância.

Tipos de Imposto

As conclusões acima sobre a intervenção do governo, alguns dizem, só são válidas em alguns casos, e dependem de como e quanto o governo gasta. Vamos demonstrar aqui que isto não é verdade.

Muitos economistas adeptos de doutrinas intervencionistas pregam que tais efeitos negativos serão visíveis se o estado tirar toda ou grande parte de sua receita através da taxação incidente sobre os bens de consumo. Isto, argumentam eles, não pode aquecer a economia de forma alguma visto que, embora a intervenção governamental possa estimular a demanda por um lado, ela a onera por outro, ao taxar os consumidores.

Na verdade, a espoliação estatal do dinheiro do consumidor e a consequente drenagem deste dinheiro para os "investimentos" estatais acaba estimulando o consumo. O grande problema é que este dinheiro não está sendo usado para satisfazer as necessidades dos consumidores, embora a mensagem que o governo passe ao "investi-lo" é exatamente esta. Em tempos de crise, então, quando um governo toma dinheiro dos consumidores e o consome totalmente, o que ocorre é mais distorção da relação consumo-investimento, e menos satisfação dos desejos dos consumidores. Assim, mais erros foram introduzidos no sistema econômico, e não a solução. Murray Rothbard explica porque tais "investimentos" na verdade não são investimentos:

Em anos recentes, particularmente na literatura sobre os "países subdesenvolvidos," tem havido um grande volume de discussões sobre "investimentos" governamentais. Entretanto, tal investimento não pode existir. "Investimento" é definido como um gasto feito não para a satisfação direta daquele que o fez, mas de outros, os consumidores finais. Máquinas são produzidas não para satisfazer o empreendedor, mas para servir os consumidores finais, que, em troca, remuneram o  empreendedor. Mas o governo adquire seus fundos tomando-os à força dos indivíduos; o gasto dos fundos, portanto, gratifica os desejos dos oficiais do governo. Oficiais do governo forçosamente deslocaram a produção da satisfação do desejo dos próprios consumidores para a satisfação deles próprios; seus gastos são, portanto, puro consumo e não podem jamais ser chamados de "investimento." [2]

O problema torna-se pior dada a sugestão que o estado taxe os mais ricos, suas propriedades e fortunas, e não os mais pobres. Entretanto, essa sugestão não considera propriamente o postulado da ação humana. 

O que move uma economia é a acumulação de capital: é poupar no presente para investir no futuro. É por este mesmo motivo que a fortuna dos ricos tem grande papel social: investimento. Não fossem os ricos, os pobres não teriam a vida muito superior que tem hoje, comparada a 100 ou 200 anos atrás. O luxo de ontem torna-se o comum de hoje através das acumulação de fortunas e do uso das mesmas em grandes investimentos.

Quanto mais o estado onera (aumenta o custo) a acumulação de riquezas, menos investimentos privados e acumulação de riqueza haverá. É correto concluir que isso forçará um consumo maior de riquezas no presente em detrimento do futuro. Mais uma vez, as vantagens de tais políticas podem ser aparentemente boas a curto prazo, mas são destrutivas a longo prazo. É a velha falácia da janela quebrada.

Novamente, vemos que tais verdades estão em completo alinhamento à verdade revelada de Deus. A única forma de maximizar a prosperidade de uma sociedade é através do estabelecimento e do respeito à propriedade privada. Qualquer intervenção onera o proprietário e desestimula investimento correto. Por este motivo mesmo aprouve a Deus estabelecer a propriedade privada, absoluta (em termos relativos aos homens). "Não roubarás" (Êxodo 20:15) é o mandamento mais importante para a ciência econômica.

O Imposto Inflacionário

Há ainda uma outra forma de intervenção estatal na economia, que é tida por muitos como a maneira ideal de vencermos a escassez e criarmos prosperidade quando quisermos. Tal maneira é a criação de dinheiro. 

O estado intervencionista gasta muito. Em geral, gasta mais do que arrecada. A isto chama-se deficit público nominal. A dívida pública é um problema crescente em muitos países. A solução encontrada por muitos é possível apenas pela realidade do monopólio estatal do sistema monetário[3]. É a impressão de dinheiro. Isaías, falando a mensagem de Deus a Israel, declarou:

A tua prata tornou-se em escórias, o teu vinho se misturou com água.
(Isaías 1:22)

A maneira pela qual a prata (dinheiro) pode tornar-se em escória é pela falsificação monetária. Em tempos passados, quando o dinheiro era ouro e prata, era comum a prática fraudulenta de falsificação monetária. Cunhava-se uma moeda e adicionava-se a seu peso metais baratos, imperceptíveis a olho nu. Assim, uma moeda de 20g de prata continha apenas 18. 2g eram literalmente roubadas pelo falsificador.

Esta prática torna-se comum geralmente quando os governos declaram-se o detentor da autoridade de cunhar moedas. A falsificação de moeda é um meio eficiente de o estado aumentar seus gastos e estender seu poder e influência. 

Esta prática é a mesma de hoje: governos imprimem dinheiro para sustentar seus gastos deficitários. Com esta falsificação, o governo está tirando valor de cada unidade monetária, visto que um maior volume de dinheiro diminui sua utilidade marginal[4] e, consequentemente, seu poder de compra. Por isso tal prática é conhecida como imposto inflacionário. O dinheiro novo criado não vem de graça. Além disso, tal prática é fundamentada no pressuposto de que o estado pode criar prosperidade ex-nihilo, ou seja, do nada. O estado, assim, se assenta no trono do próprio Deus. Mais uma vez, as sanções não tardam a vir. Com o aumento da inflação, o poder de compra da população cai e há um relativo empobrecimento. Nós, brasileiros, sabemos bem o que é isso. Há pouco mais de vinte anos vivíamos numa gravíssima hiperinflação. Julgamentos seguem-se à insistência dos homens em desobedecer à lei de Deus. É inevitável.

Conclusão
Vimos que qualquer meio de intervenção estatal na economia é prejudicial. Desvia o foco de investimentos realmente necessários que só o livre-mercado pode satisfazer. Pode causar benefícios imediatos, mas causa empobrecimento relativo com o passar do tempo. As leis da economia são uma, universais. Estado e economia é uma combinação insustentável.

Referências

[1] - Refere-se aos economistas da escola austríaca, independente de suas nacionalidade.

[2] - Ver Murray Rothbard, "A Grande Depressão Americana", p. 20, 5a. Edição.

[3] - Para mais informações sobre como os estados modernos apossaram-se do sistema monetário e excluíram o ouro e a prata do mercado conferir Murray Rothbard, "O que o governo fez com o nosso dinheiro." Disponível gratuitamente aqui.

[4] - Para saber mais sobre utilidade marginal, conferir Ludwig von Mises, "Ação Humana - Um Tratado de Economia," capítulo 7, seção 1. Disponível gratuitamente aqui. Conferir também artigo de Thorsten Polleit, "O que a lei da utilidade marginal decrescente pode nos ensinar?" Disponível aqui.




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