Introdução
Política é um tema
sempre recorrente em nossas discussões. É um tema sobre o qual virtualmente
todos nós temos alguma opinião, algumas embasadas, outras meramente
especulativas.
Há um pensamento dentro
do Cristianismo que defende uma separação entre assuntos espirituais e
terrenos. Segundo esse pensamento, conhecido de forma genérica como pietismo, a Bíblia descreve e regula o
funcionamento do reino espiritual e da igreja institucional. O crente não
pertenceria a este mundo e, portanto, nada tem a ver com os assuntos seculares,
que significa que não devemos ter esperança alguma em influenciar esses meios.
Outra corrente,
entretanto, defende que, como Cristãos, podemos e devemos influenciar os assuntos
seculares, mas não devemos ter esperança de sucesso. Apesar disso, dizem,
deveríamos influenciar baseando-se numa lei natural comum. A lei civil de
Israel, por exemplo, serviria, no máximo, como um guia para o funcionamento do
estado.
Uma terceira posição,
conhecida como teonomia, prega que
não existe neutralidade em nenhuma área do conhecimento e da existência do
homem. A Lei de Deus é o padrão moral imutável e eterno para governar os
assuntos terrenos. Assumir que o reino secular está fora de nosso alcance ou
que devemos influenciá-lo baseado no senso e justiça comuns seria negar o
governo ético da Lei de Deus sobre tudo e sobre todos. Seria dizer que política
é imoral ou amoral. Nenhum dos dois pensamentos estão de acordo com a palavra
de Deus.
Sobre o pietismo, R.
C. Sproul Jr. comentou: “Pietismo é uma visão que olha para o mundo mais amplo
como uma questão de extrema insignificância, pois se foca exclusivamente em
tornar a alma individual melhor. Radicalmente individualista e profundamente gnóstico,
o movimento evita o envolvimento político, denigre o exercício do domínio e
algumas vezes faz adições à lei de Deus. Isso, sem dúvida, nunca deveria ser
confundido com piedade, que é algo bom. Piedade é santidade no caráter, um zelo
de crescer em graça e sabedoria, dar muito fruto do Espírito. Porque essas duas
coisas são frequentemente confundidas, não é incomum aqueles mais relaxados na
busca da santidade acusar os mais zelosos de pietismo. De forma semelhante, não
é incomum alguns que são apaixonados em reafirmar os direitos régios do Rei
Jesus, que anseiam em ver o Seu reino reconhecido, desdenhem a busca da piedade
pessoal como uma distração.”[1]
João Calvino,
reformador francês, afirmou sobre o Cristão ocupar lugares na política: “Onde
quer que os profetas falam do Reino de Cristo, é dito que os reis viriam
adorá-lo e homenageá-lo (Is. 49). Não é dito que eles abandonariam o ofício
para se tornarem cristãos, mas, em vez disso, que na dignidade real, se
sujeitariam à Jesus Cristo como o Soberano Senhor. Davi disse o mesmo e exortou
que eles cumprissem suas funções. Não disse para lançarem fora seus diademas ou
cetros, mas somente para beijar o Filho (Sl 2), isto é, para homenageá-Lo e
serem sujeitos à Ele no governo. Ele fala do Reino de Nosso Salvador Jesus
Cristo e ele manda que todos os reis e superiores sejam sábios. O que é essa
sabedoria? Que lição ele dá? De abrir mão de tudo? Não, mas de temer a Deus e
honrar Seu Filho. Além disso, Isaías profetizou que os reis seriam como aios e
que as rainhas seriam como as suas amas (Is. 49). Eu pergunto, como é possível
dizer que os reis são protetores da Igreja Cristã e, ao mesmo tempo, dizer que
a posição que eles ocupam não condiz com o Cristianismo? Se o Senhor lhes
coloca nessa posição, conforme dizem os profetas, então já provamos nossa
posição. Considerando que Ele deu à eles um lugar tão honroso da comunhão de
Seu povo, de ordenar que sejam protetores de Sua Igreja, que imprudência é essa
de excluí-los?”[2]
O verdadeiro
Cristianismo oriundo da Reforma Protestante defende a soberania de Cristo sobre
o homem todo. As instituições humanas são meramente a ação do homem posta em
prática e, como tais, também estão sujeitas ao governo e ao sonhorio de Jesus
Cristo. O Cristão deve, por causa do Pacto de Domínio (e da Grande Comissão,
onde ele foi reafirmado) lutar por ver o senhorio de Cristo reconhecido em
todas a áreas da vida e das relações sociais humanas. Baseando-se nisso é que
desenvolveremos alguns ensinos bíblicos sobre a política.
O estado é, segundo
o dicionário Houaiss, o “conjunto das instituições (governo, forças armadas,
funcionalismo público etc.) que controlam e administram uma nação.” O estado é,
em outras palavras, a instituição social que detém o monopólio da coerção.
Deter o monopólio da
coeração significa ter a autoridade moral de iniciar o uso de violência para
forçar um indivíduo a agir contra sua vontade. Sendo esta a prática essencial
do estado, é extremamente necessário estudarmos o que diz a Bíblia sobre ele. O
estado deveria existir? Se sim, quais os limites de sua atuação? Ele deve
proibir o quê? Se não, quem cuidará de manter a ordem social? Seria mesmo
necessário ter alguém cuidando da ordem social?
Para que possamos
responder a essas perguntas, precisaremos do auxílio do nosso texto bíblico
principal para esta presente lição: Romanos 13:1-6.
Todo homem esteja sujeito às
autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as
autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se
opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre
si mesmos condenação.Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o
bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e
terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem.
Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a
espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É
necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da
punição, mas também por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais
tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este
serviço.
Existem diversos textos na Bíblia tratando sobre
política. Creio que este texto paulino é o mais enfático em seu ensino. Vamos
sintetizá-lo em alguns pontos chaves, nos quais vamos focar nesta presente
lição. São eles:
1. A legitimidade do estado
2. A descentralização de poder
3. A função do estado
4. A idolatria ao estado
5. O estado de bem-estar social
1. A
legitimidade do estado
O apóstolo Paulo é
enfático: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores.” Com ele
concorda Pedro, que diz “Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do
Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para
castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem” (1 Pedro
2:13-14). Não há dúvidas bíblicas sobre a legitimidade do poder civil.
Existem filosofias
humanas que pregam que o mundo estaria melhor se não houvesse governo algum.
Tais filosofias são chamadas anarquistas.
O termo anarquia vem do grego e
significa literalmente “ausência de governo”. Existem anarquistas de diversas
correntes. Existem os anarco-comunistas, que preveem uma sociedade sem estado e
sem propriedade privada, vivendo em
comunidades onde todos os meios de produção sejam compartilhados.
Existem, também, os
anarco-capitalistas, que prevem uma sociedade onde todas as necessidades sociais seriam providas pelo mercado,
inclusive a aplicação da justiça.
O apóstolo São
Paulo, em sua epístola, e Pedro, na sua, negam firmemente qualquer posição
anarquista. O estado é o ministro de Deus para aplicar Sua lei à sociedade, de
modo a promover a ordem e a cooperação entre os indivíduos. Jesus também
ensinou a legitimidade dos governos humanos. Cito agora dois textos em que o
Senhor nos ensina que a existência de hierarquias civis é legítima.
Dai, pois, a César o que é de César e
a Deus o que é de Deus. (Lucas 20:25)
Então, Pilatos o advertiu: Não me
respondes? Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te
crucificar Respondeu Jesus: Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não
te fosse dada; por isso, quem me entregou a ti maior pecado tem. (João
19:10-11)
A Bíblia por toda
parte ensina que são legítimas as autoridades civis. Se os escritores bíblicos
estão certos, os anarquistas necessariamente estão errados. O governo civil é
uma instituição pós-queda, ou seja, foi instituído após a queda de Adão. A sua
existência deriva-se da necessidade de
refrear o mal e baseia-se, portanto, na maldade inata do ser humano, que é a
doutrina da depravação total.
2. A descentralização de poder
Paulo afirma que os
homens devem estar sujeitos às autoridades
superiores. Fala como de muitas, e não de uma só. Isso seria relevante? Sim,
muito. Ao passo que Deus estabeleceu as autoridades civis como legítimas e
necessárias, ele também determinou que não existisse uma única cadeia
hierárquica vertical, mas muitas. Deus estabeleceu a divisão de poder. Gary
North diz que “Deus estabeleceu jurisdições concorrentes para eliminar a
possibilidade de uma tirania central absoluta.”[3]
Após o dilúvio,
quando Deus julgou a raça humana, os homens novamente inflamaram-se contra Ele
e planejaram estabelecer uma tirania global cujo objetivo era unir a humanidade
e desafiar a soberania de Deus. Planejaram a construção de uma torre
altísssima, capaz de suportar a fúria de um novo dilúvio. Naquela época, os homens
estavam organizados numa estrutura social monolítica. Havia uma só língua e,
provavelmente, um só governo. Para evitar o mal que intentava, lemos em Gênesis
11:6-8 que o Senhor confundiu-lhes as línguas e os espalhou sobre a terra.
E o SENHOR disse: Eis que o povo é
um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá
restrição para tudo que intentam fazer. Vinde, desçamos e confundamos ali a sua
linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro. Destarte, o SENHOR os
dispersou dali pela superfície da terra; e cessaram de edificar a cidade. (Gênesis
11:1-8)
Os seres humanos são
naturalmente inclinados à corrupção, à maldade (Romanos 3:10). Suas línguas são
naturalmente maledicentes, seus pés naturalmente correm para derramar sangue e
sua vontade natural é de apropriar-se do que é de outrem pela força, e não pelo
trabalho e pela cooperação. Vimos que Deus instituiu o governo como o poder
necessário para frear a maldade do homem e permitir um desenvolvimento social
saudável. Entretanto, como os governos são também formados por homens, eles são
propensos à corrupção e à maldade da mesma maneira que o são os indivíduos. Na
verdade, por serem dotados de grande força (militar) e autoridade, é
extremamente perigoso que homens iníquos tomem o poder. Hitler não teria
conseguido muita coisa se não tivesse alcançado tamanho poder político na
Alemanha do pós-guerra. Sozinho ele não cometeria genocído algum.
Então, para frear a
maldade dos governos é da vontade de Deus a instituição de hierarquias diversas
e concorrentes entre si. Um governo centralizado
é um governo onde todo o poder está concentrado nas mãos de uns poucos
indivíduos, ou de uns poucos grupos de indivíduos.
Um governo descentralizado, por outro lado, é um
governo onde o poder é mais local, dividido entre as diversas províncias do
país ou região. Em tese, num governo assim, a função do governo central é mais
representativa do que executiva.
A divisão de poderes
pode ser vertical, horizontal ou bidirecional. Os estados modernos são baseados
no princípio da divisão de poderes. Existem, em geral, dentro de um mesmo
estado, três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Ambos devem
literalmente concorrer e fiscalizar o outro com vistas à evitar a tirania e
garantir a liberdade. Isto é o que eu chamaria de divisão horizontal. A divisão
vertical é o poder repartido em esperas local, regional e nacional. No nosso
caso, cada um dos três poderes horizontais tem suas representações locais (municípios), regionais
(estados) e nacionais (União).
Seria a divisão de poderes
suficiente para garantir a ordem, a paz e a justiça? Não. Saiba por que na
próxima seção.
3. A função do estado
No centro de todos
os debates políticos se encontra uma pergunta fundamental: qual deve ser a função do estado? Como ele deve usar o dinheiro que
arrecada em impostos? Qual a porcentagem de impostos lícita a ser cobrada? Que
tipo de coisas o estado pode obrigar que os cidadãos façam sob ameaça de
punição? Em resumo, qual é a diferença entre tirania e atividade estatal
legítima?
O apóstolo Paulo, ao
descrever a potestade estatal em Romanos 13:1-6, nos dá a resposta de forma bem
clara: o estado é o vingador de Deus.
Nós aprendemos nas lições sobre os dez mandamentos que uma das funções da lei é
a função civil, ou seja, proibições de cunho moral impostas a todos os
habitantes de uma nação pelo próprio Deus a fim de coibir a maldade humana. O estado é, segundo Paulo, “vingador para
castigar o que faz o mal” (ACF). O único que tem autoridade para diferenciar o
bem do mal é o próprio Deus. Deus é, então, o único Legislador. O estado deve
ser apenas um aplicador da lei
(civil) de Deus. Portanto, o governo civil estará pecando se ultrapassar um
centimetro sequer das atribuições que a lei de Deus lhe dá. Também estará pecando
caso abstenha-se de cumprir quaisquer de suas atribuições. A função do estado é
punir os criminosos. A palavra de Deus define quem é e quem não é criminoso,
não o estado.
Agora que
estabelecemos de forma sucinta o que é a função da potestade estatal, devemos
estabelecer, também, algumas considerações sobre o que não é função do estado. Estabelecer tais oposições faz-se
necessário pois vivemos numa época de recorrente confusão a respeito do que
deve ou não fazer o estado.
De acordo com Paulo,
o estado deve punir o mal. Somente isso. Nenhuma outra passagem bíblica
acrescenta qualquer direito aos governantes, e os exemplos que temos concorrem
para que entendamos que a função que Paulo nos apresenta é, sim, a única função
legítima do estado.
A primeira função ilegítima geralmente assumida pelos
estados é a função de supremo legislador.
Assim como a Igreja, em assuntos eclesiásticos, somente pode legislar de acordo
com a lei de Deus o estado, em assuntos civis, somente pode legislar conforme a lei de Deus. Hoje, não é
raro encontrarmos situações em que o estado criminaliza ou penaliza atividades
ou comportamentos que jamais deveriam ser criminalizados. Podemos citar:
a) Economia, com as regulações, controle de preços, salários,
coibição de livre-iniciativa, controle e tarifação de importações e
exportações, monopólio estatal da moeda, etc.
b) Educação, com toda a imposição de forma e
currículo, além da obrigação de financiamento estatal de educação para todos e
proibição da educação no lar.
c) Saúde, com dificuldades burocráticas para soluções
privadas e inovadoras, que encarecem os serviços e causam escassez no
fornecimento.
d) Demais atividades, sejam econômicas, com
regulamentações, penalizações e criminalizações em quase todas as áreas da
atividade humana.
e) Comportamento, com a dominação da linguagem e do
pensamento pelo politicamente correto e pela regulação, penalização e
criminalização de comportamentos humanos que a Lei de Deus deixa serem
regulados apenas pela consciência.
Para punir o mal, o estado deve tomar, a força,
dinheiro e bens de seus súditos. Tal quantia é chamada de imposto. Os que defendem a anarquia, principalmente os que defendem
a anarquia capitalista, afirmam que qualquer tipo de imposto é roubo. Tal
definição está errada. O imposto cobrado para manter a máquina estatal de
vingança conforme a lei de Deus é não só legítimo como necessário.
Apesar de um certo nível de taxação ser necessário e
legítimo, existem usos que o estado moderno faz do dinheiro que arrecada que
são imorais e ilegítimos. Um exemplo de uso ilícito do erário público é a redistribuição
de riqueza, de qualquer gênero e espécie. O estado não tem função de fazer
caridade ou de doar nada a alguém. A razão disso é uma: o estado arrecada seu
dinheiro pela coerção. As mazelas sociais, o cuidado com os doentes,
moribundos, órfãos e viúvas deve ser responsabilidade dos cidadãos, usando
dinheiro adquirido da geração de riqueza de forma legítima. Além disso, a
Igreja é a grande instituição que tem a responsabilidade maior para com os
pobres. O estado deve ser isonômico. Deve prover justiça, apenas, e de forma
igual para todos.
Uma terceira e última atribuição estatal que é
ilegítima é o estado ser instrumento de transformação
social. Hoje, é notório que a sociedade acredita, em maior ou menor grau,
que leis possam, de alguma forma, transformar o caráter do homem. Políticos
lotam palanques com suas demagogias e preocupações a respeito de diversos
assuntos sobre os quais eles nadam podem fazer. É daí que surgem, por exemplo,
as pesadas regulações e impostos sobre o álcool e sobre o cigarro. Pensa-se que
ao regulamentar comportamentos específicos do ser humano estarão produzindo
pessoas melhores. Os legisladores se veem, assim, como verdadeiros engenheiros
sociais, e nós somos a massa que eles desejam moldar. Em resumo, tal visão
entende o estado como um Redentor. Além de ilegítima, esta filosofia é
blasfema. Cristo é o único e suficiente Senhor e Salvador dos homens. Toda
mudança social que precisa passar por uma transformação no coração humano está,
por definição, fora do campo de ação estatal.
3.1. A idolatria ao estado
Por que Deus limita
as funções do estado? Pelo mesmo motivo que ele limita as ações dos indivíduos
pela lei civil: por causa do pecado. A natureza do homem pecador é sempre
inclinada para o mal. Paulo deixa esta verdade bem clara nos primeiros
capítulos da epístola de Romanos. O homem, quando alcança o poder e tem a sua
disposição meios de coerção para impor suas vontades aos demais, precisa ser
duplamente vigiado. Vimos que uma das formas de impedir que o estado abuse do
poder é a divisão de poderes. Paulo age conforme este princípio quando apela
para César em seu julgamento, tentando evitar a jurisdição de Festo (Atos
25:9-11). Além disso, ele fala, em Romanos 13, de “muitas” autoridades. A
divisão de poder evita a concentração tirânica de poder.
Embora ajude, a
divisão de poder não é suficiente. De nada adianta dividir o poder e embriagar
a sociedade de uma doutrina estatista. Os impérios mais tirânicos e
intervencionistas do mundo são as democracias modernas. E por quê? Porque o
povo é idólatra. Perdeu a fé em Deus como sustentador e mantenedor de todas as
coisas. Ato contínuo, despejou essa fé no estado, que prontamente assumiu o
posto. Hoje deseja-se mais do que nunca um estado inchado, cheio de gastos, provedor de tudo, cuidador dos
pobres e necessitados, redistribuidor de renda, etc.
Os governos arrogam-se, também, o direito de regular
virtualmente qualquer aspecto da vida do cidadão. Legislam completamente livres
da submissão à lei de Deus. Se a maioria de um parlamento, por exemplo, não
gosta que os produtores de gasolina vendam seu produto acima de um determinado
preço, basta fazer uma lei que os proíba de fazê-lo. Se não gostam que um
determinado grupo faça, fale ou aja de determinada maneira, basta fazer uma lei
e regulamentar a situação. Precisamos entender que isto é tirania, e é assim
que agem os estados de hoje. Tal tipo de intervencionismo e estado gigante são
desastrosos para a economia. Mas não só isso. São igualmente imorais. É o
estado assumindo o papel de Deus. Diante de tudo isso, concluí-se que, se o
estado quiser moldar-se aos padrões divinos, ele deve ser um estado mínimo.
Outra forma moderna de usurpação estatal do papel de
Deus são os impostos. Vimos
anteriormente que a taxação não é necessariamente imoral. Entretanto, a maior
parte da cobrança de impostos no mundo moderno é.
Disse o SENHOR a Samuel: Atende à voz
do povo em tudo quanto te diz, pois não te rejeitou a ti, mas a mim, para eu
não reinar sobre ele. Segundo todas as obras que fez desde o dia em que o tirei
do Egito até hoje, pois a mim me deixou, e a outros deuses serviu, assim também
o faz a ti. Agora, pois, atende à sua voz, porém adverte-o solenemente e
explica-lhe qual será o direito do rei que houver de reinar sobre ele. Referiu
Samuel todas as palavras do SENHOR ao povo, que lhe pedia um rei, e disse: Este
será o direito do rei que houver de reinar sobre vós: ele tomará os vossos
filhos e os empregará no serviço dos seus carros e como seus cavaleiros, para
que corram adiante deles; e os porá uns por capitães de mil e capitães de
cinqüenta; outros para lavrarem os seus campos e ceifarem as suas messes; e
outros para fabricarem suas armas de guerra e o aparelhamento de seus carros.
Tomará as vossas filhas para perfumistas, cozinheiras e padeiras. Tomará o
melhor das vossas lavouras, e das vossas vinhas, e dos vossos olivais e o dará
aos seus servidores. As vossas sementeiras e as vossas vinhas dizimará, para
dar aos seus oficiais e aos seus servidores. Também tomará os vossos servos, e
as vossas servas, e os vossos melhores jovens, e os vossos jumentos e os
empregará no seu trabalho. Dizimará o vosso rebanho, e vós lhe sereis por servos. Então, naquele dia, clamareis por
causa do vosso rei que houverdes escolhido; mas o SENHOR não vos ouvirá naquele
dia. (1 Samuel 8:7-18)
O sistema de Israel
pré-monarquia, estabelecido por Deus, era um sistema de juízes, divido em
tribos, com governos mínimos locais. Era o desejo de Deus uma sociedade
descentralizada. 1 Samuel 8:7-18 é um alerta de Deus a respeito do que a
centralização de poder acarretaria: opressão. Os israelitas, entretanto, não
ouviram este alerta.
Uma das
características de um governo central monárquico, segundo a descrição divina,
seria a cobrança da décima parte da produção em impostos (vs. 15-17). Era um
dízimo. Era o mesmo que o próprio Deus cobrava. Era um valor altíssimo,
conforme o texto deixa claro. Concluímos, portanto, que qualquer valor acima
disso é imoral. É tirânico. É uma usurpação do governo divino sobre a terra. O
Brasil, hoje, cobra quase 34.8% de impostos [4]. Se 10% é o limiar da tirania,
o que 34% representariam?
4. O estado de bem-estar social
Podemos caracterizar
praticamente todos os estados do Ocidente hoje como estados assistencialistas,
em maior ou menor grau. Outro termo utillizado para designar o estado
assistencialista é o termo “estado de bem-estar social”. A entrada do estado na
economia e no fornecimento de serviços gratuitos ao cidadão foi o sinal do
avanço da idolatria estatal no Ocidente no século XX. Acirrou-se na década de
30, após a grande crise econômica de 1929. Basicamente, o estado de bem-estar
social é um estado com altíssima taxa de gastos (mais do que de arrecadamento
em virtualmente todos os casos) e que teoricamente usa este dinheiro em obras
gigantescas, criação de empresas públicas, investimentos em saúde, educação,
transporte público, previdência social e uma infinidade de outros gastos além
daqueles legitimamente instituídos por Deus para a aplicação da justiça.
Como resultado de
tais políticas socialistas, o estado interfere demais na economia, cria monopólitos autoritários (dificuldades
ou proibições do setor privado agir nos setores onde o estado atua), etc. Assim,
desta interferência, um fardo maior é colocado sobre o setor produtivo da
sociedade (ele é espoliado pelos impostos) e menos recursos são investidos pela
iniciativa privada em setores onde os recursos são mais urgentemente
necessários. A produção decresce e, como consequência inevitável, o bem-estar
geral também.
Crer que o estado
pode fornecer bem-estar por si mesmo é idolatria, pois o estado literalmente
não produz riqueza alguma, ele apenas devora.
Basicamente, é uma política de gastos desenfreados subsidiados por altos
impostos e impressão de dinheiro literalmente do nada (fraude) para pagar as
contas. O resultado de tal política irresponsável, que tem sido levada a cabo
há quase um século nos países ocidentais, não tardará em vir. Crises e mais
crises econômicas se seguirão como o inevitável julgamento divino por tal
idolatria.
5. Rebelião
Diante de tamanhas afrontas do estado moderno à Deus e
à Sua soberania resta ainda um ponto a discutir: o que fazer? Deveriam os Cristãos se rebelarem? Deveriam aqueles
que prezam suas liberdades individuais se revoltarem contra a potestade?
Biblicamente a resposta é não. Paulo diz que “aquele que se opõe à autoridade
resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos
condenação.” O apóstolo não poderia ser mais claro. Não há fundamento bíblico
para que os cidadãos se armem e resistam ao poder do Estado. Por pior que possa
ser a tirania, devemos evitar confronto direto.
O exemplo da igreja primitiva é revelador e
extremamente pedagógico. Paulo escreveu sua carta aos Cristãos de Roma, capital
do Império Romano, sede da maior tirania da época. Roma perseguia ferozmente os
Cristãos. Perseguiu-os assim por praticamente três longos séculos. Não
obstante, Paulo escreve aos crentes em Roma que obedeçam às autoridades. O
ensino neotestamentário é o ensino da submissão e não o ensino da rebelião.
É necessário, porém, que façamos uma breve observação
aqui. A submissão preconizada por Paulo e pelos demais escritores bíblicos é
uma submissão física, civil. Em nenhum momento a Bíblia prescreve que
submetamos nossa consciência ao
poder estatal. E por quê? Porque a consciência é uma das quatro esferas
bíblicas de autoridade na sociedade e essas esferas não devem tomar para si
autoridade sobre nenhuma outra. Assim, a Igreja não se submete ao estado, nem o
estado à Igreja. A família não se submete à Igreja, nem a Igreja à família. A
família não se submete ao estado e, além disso, a consciência individual não
pode se submeter coercitivamente e totalmente ao controle de nenhuma dessas
esferas de poder. Todas as quatro, porém, são responsáveis a Deus. Devem
obediência e submissão a Ele.
O fato de nossa consciência ser livre nos permite
discordar de eventuais desmandos estatais. Devemos concordar e apoiar o estado
somente até o ponto em que Ele esteja agindo legitimamente como ministro de
Deus. Além disso, leis espúrias, inúteis e anti-bíblicas, cuja a desobediência
em privado não trouxer qualquer perigo de resistência física ao estado, em
princípio, não precisam ser obedecidas. Não precisamos temer o estado em secreto,
como precisamos temer a Deus.
6. Conclusão
É vital para a
sobrevivência do mundo ocidental que a Igreja lute contra a idolatria ao Baal
moderno, o estado. A cada dois anos, por exemplo, vemos em nosso país um
verdadeiro show de promessas enganosas e mentirosas. São políticos que, para
ganhar seu quinhão no governo, prometem toda sorte de benesses aos cidadãos
que, ludibriados pela filosofia do estatismo, acreditam, desejam e mesmo exigem
que o estado seja o seu deus provedor. Esta mentalidade precisa ser mudada. As
expectativas do povo quanto ao governo devem ser literalmente as menores
possíveis. O povo de confiar mais na iniciativa do trabalho duro e da produção
de riqueza pela iniciativa privada e menos nas promessas enganosas de
prosperidade fácil do governo. Deus deve ser seu provedor, não o estado. Somente
assim, através de uma gradual deslegitimação do poder estatal, conseguiremos a
verdadeira liberdade e, de acordo com a lei de Deus, a verdadeira prosperidade.
Gradativamente, quando o povo perder a confiança em Baal, Baal perderá sua influência
sobre o povo.
Por Matheus Henrique.
Texto ministrado na Escola Dominical da Congregação Presbiteriana de Heliópolis, Belford Roxo, RJ.
Referências
[2] - João Calvino. Uma pequena
instrução para armar todos os bons cristãos contra os pestíferos erros da seita
dos anabatistas. Disponível em http://zip.net/bxpsts.
[3] - Gary North. Cooperation and
Dominion: An Economic Commentary on Romans (Cooperação e Domínio: Um
Comentário de Economia em Romanos). Disponível em http://zip.net/brpsTW.
[4] - Heritage Foundation. Dado referente aos impostos arrecadados como
porcentagem do PIB. Disponível em http://zip.net/bqpwqt.
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