sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Abraão, a Teologia da Prosperidade e o Pietismo

Pela fé Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia. Pela fé habitou na terra da promessa, como em terra alheia, morando em cabanas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa. Porque esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus. Pela fé também a mesma Sara recebeu a virtude de conceber, e deu à luz já fora da idade; porquanto teve por fiel aquele que lho tinha prometido. Por isso também de um, e esse já amortecido, descenderam tantos, em multidão, como as estrelas do céu, e como a areia inumerável que está na praia do mar. Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-as e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra.

(Hebreus 11:8-13)

A vida do patriarca Abraão é interessante em diversos aspectos. Um deles é o estranho fato de que o autor do livro neotestamentário de Hebreus afirma que Abraão "habitou na terra da promessa, como em terra alheia," e que eles (os patriarcas) "confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra." Descobriremos que este é um fato estranho se olharmos bem para a questão.  Deus havia prometido toda a terra de Canaã (atual Palestina) a Abraão e a seus descendentes. Apesar disso, Abraão passou a vida como um estrangeiro, um peregrino, como alguém que não sabia para onde ir. O curioso disso tudo é que Abraão foi descrito pelo autor de Hebreus como um peregrino na própria terra que fora prometida a ele! Tal fato não deve passar despercebido por nós, Cristãos. Eu creio que esse é um fato que coloca em cheque duas vertentes teológicas desvirtuadas: a teologia da prosperidade e o pietismo.

Os crentes da teologia da prosperidade afirmam, baseados na riqueza de Abraão, que Deus promete riquezas e bênçãos materiais aos seus servos. Afirmam que Deus deseja tornar os Cristãos prósperos financeiramente. Alguns chegam a afirmar que a pobreza e o sofrimento são sinais de maldição ou falta de fé. Na contra-mão desse pensamento, a doutrina pietista ensina que o Cristão é um peregrino neste mundo e nada tem a ver com ele. Não deve esperar bênçãos materiais, mas sim o sofrimento. Além disso, os crentes não tem qualquer mandamento ou promessa de influenciar o mundo em redor, que é vendido ao pecado e está fadado à apostasia.

A Bíblia, contrariando as duas vertentes, ensina o pactualismo, doutrina que afirma que Deus ordenou ao homem que domine sobre a terra (Gn. 1:28), estendendo sobre ela sua gerência segundo a lei de Deus, para Sua glória. Para realizar esta tarefa, Deus forneceu ao homem um arcabouço ético e moral, Sua Lei, a qual o homem deve
se submeter se deseja ser fiel ao seu propósito de domínio. Bênçãos, então, alcançam um povo que obedece a lei de Deus, o torna apto a cumprir o pacto de domínio e o torna cabeça entre as nações. Por outro lado, a longo prazo, maldições alcançam os rebeldes, sua memória é extinta da face da terra, e sua riqueza transferida para aqueles fiéis ao Pacto.

A história de Abraão nega o pietismo, pois Abraão peregrinava na própria terra que sua descendência deveria dominar. Isto indica uma orientação ao futuro, uma clara esperança de que Deus lideraria sua descendência no domínio piedoso daquela terra. Por outro lado, o fato de Abraão ter morrido sem ver isto acontecer, prova que as bênçãos pactuais são a longo prazo, sendo perfeitamente lógico que um crente, ou uma geração de crentes, viva pobre e sofra. O que marca o crente não é seu estado material atual, mas sua fé orientada ao futuro, pavimentando sempre o caminho para o triunfo do domínio do Reino de Deus sobre toda a terra. Foi isto que Daniel viu quando a pedra atingiu a estátua, cresceu, tornou-se um grande monte e encheu a terra inteira. É isto que Deuteronômio 28 e tantos outros textos bíblicos prometem: prosperidade pactual, capacidade de dominar sobre a terra, usá-la até o fim para glorificar o Criador. Deus não nos chamou para sermos inertes. Antes, nos chamou para sermos ativos, orientados ao futuro, e firmes, crendo que fiel é aquele que prometeu e que, não importa a situação do mundo presente, Ele terá, no tempo certo, o domínio sobre cada tribo, povo, língua e nação. Para uns, pode ser que sua parte nesta história envolva a necessidade de acumulação de riquezas acima da média. Para outros, uma vida comum, sem muito luxo, será suficiente para cumprir sua vocação. Outros, ainda, sofrerão e viverão debaixo de opressão, pobreza, e perseguição. Não há nada de errado nisso. Deus fez o rico e o pobre. O que une todos eles é a fé no futuro, a fé nas promessas do Pacto.

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