domingo, 18 de janeiro de 2015

Sobre o Brasileiro condenado à morte na Indonésia


Ontem foi executado, por um pelotão de fuzilamento da Indonésia, o brasileiro Marco Acher, acusado de tráfico de drogas. Como é de se esperar, não faltaram opiniões pipocando pela internet. Algumas delas partiram de Cristãos professos e seu conteúdo me preocupa um pouco. Sendo assim, resolvi fazer um breve comentário sobre alguns posicionamentos comuns quanto ao caso:

1) "Sou contra a pena de morte..."

Aqueles que condenam o ato do governo indonésio pelo simples fato de serem contra a pena capital estão raciocinando em desacordo com os princípios da Escritura Sagrada. Apóstolo São Paulo nos ensina que devemos submeter "todo o entendimento à obediência de Cristo" (2 Coríntios 10:5). Desta forma, nossa fé não apenas nos ensina sobre a salvação, mas, deve nos guiar em todo o nosso raciocínio. A fé na Revelação divina é o princípio de toda a sabedoria e conhecimento. É impossível conhecer sem, primeiro, crer. Dito isto, o Cristão deve, então, se perguntar o que Deus pensa da pena de morte e, somente depois de obter esta resposta, formular sua opinião e determinar seus sentimentos quanto ao assunto.

À pergunta “o que a bíblia diz sobre a pena de morte?” deve-se responder: que ela é legítima de ser aplicada pelo governo civil em certos casos. Ponto. O Deus que deu a lei no monte Sinai ao povo de Israel deu-a por completo. Deus-a para governar todos os assuntos humanos, em todos os locais e em todas as épocas. Assim, a lei de Deus não apenas refere-se a nós como indivíduos mas, também, governa e rege as famílias, as igrejas, a cultura, a economia e, claro, o estado e as punições civis. O primeiro e mais evidente caso em que Deus requer que o estado puna um criminoso com a pena de morte é o caso do homicídio, pois assim fora dito a Noé, a saber, que “quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem.” (Gênesis 9:6). Além disso, falou ao povo de Israel que “se alguém agir premeditadamente contra o seu próximo, matando-o à traição, tirá-lo-ás do meu altar, para que morra.” (Êxodo 21:14)

Quanto a todas essas evidências, o Cristão moderno, acostumado a responder emotivamente a questões como esta que nos é posta, dirá que essas imposições eram apenas para o povo da Antiga Aliança, coisas do Antigo Testamento, rudimentos da época da lei. Pois bem, se é assim, isto é, se é verdade que o Novo Testamento anulou as leis civis do Velho, eu pergunto: o que é que ele pôs em seu lugar? Esta pergunta é por demais pertinente, porquanto não existe vácuo moral em assunto algum. Certamente que algum princípio de legitimidade deve reger, hoje, os governos civis. A pergunta é: qual? Muitos não sabem responder a esta pergunta. Outros, infelizmente, se apressarão em responder que o princípio que rege o governo civil no Novo Testamento é o amor. Dirão, em favor de sua opinião, que Jesus ensinou isso ao anular a pena capital para o caso de adultério, pois lemos do apóstolo João que:

Jesus, porém, foi para o Monte das Oliveiras. E pela manhã cedo tornou para o templo, e todo o povo vinha ter com ele, e, assentando-se, os ensinava. E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela. E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. Quando ouviram isto, redargüidos da consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio. E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais. (João 8:1-11)

Há muito que se possa dizer sobre este texto. Eu limito-me a argumentar da seguinte maneira: se Jesus está aqui anulando a lei que punia o crime de adultério com pena de morte (Deuteronômio 17:7), e, mas, a está substituindo por outra lei, qual seja, a lei do amor, então isto inevitavelmente nos leva a um anarquismo, sim, pois, se é necessário alguém sem pecado algum para infligir uma pena civil e se crime tão grave como o adultério deveria ser perdoado pelos magistrados, por que deveria ele condenar crimes menores ou de gravidade semelhante como o roubo, a agressão física ou o homicídio? Segue-se, assim, que nenhuma pena pode ser aplicada a criminoso algum e, portanto, não faz sentido haver governo civil. Tal absurdo, qualquer crente deve prontamente reconhecer, está em desacordo com os demais princípios bíblicos que governam o governo, mesmo princípios do Novo Testamento, pois não lemos São Paulo dizer que os magistrados civis são ministros do amor e da misericórdia, mas que ele, o magistrado, é “vingador para castigar o que faz o mal.” (Romanos 13:4). O que Jesus estava ensinando no caso da mulher adúltera é, basicamente, que um julgamento civil deve ser feito com justiça ilibada em todos os seus detalhes, conforme manda a lei. O julgamento ali era injusto pois não fora feito conforme manda a lei. Evidência disso é, por exemplo, a ausência do homem adúltero, pois, afinal, o adultério fora cometido por ambos.

Vimos assim que não há base exegética para afirmarmos que o Novo Testamento anula a lei civil que Deus deu por meio de Moisés, ao contrário, há textos que o confirmam (Romanos 1:32, Mateus 15:4). O que deve crer, então, o Cristão? Deve crer que a pena de morte é legítima pois fora instituída por Deus. Deve crer que o governo civil tem direito e dever de aplicá-la nos casos prescritos pela lei de Deus. Deve crer que isto, e nada mais, nada menos, é justiça verdadeira, pois emana dos justos decretos de Deus.

2) “..., mas ele sabia das leis daquele país.”

Outro tipo de opinião que observei quanto a este caso é esta: que o brasileiro Marco Asher conhecia as leis daquele país e, portanto, sua pena foi justamente aplicada. Tal opinião revela uma crença mais sutil e, creio, mais perigosa que a anterior. É a crença no direito do estado como legislador absoluto. Os que assim crêem são Cristãos que, baseando-se normalmente em Romanos 13, concluem que nós devemos aceitar qualquer punição ou legislação que o estado passar. Assim, se algo foi escrito num papel e assinado por um magistrado civil, tal é lei legítima e deve ser obedecido e aceito pelos cidadãos. Esta é uma pressuposição perigosíssima, pois dá ao estado, quer queriam ou não, poderes divinos, pois somente Deus é o legislador supremo. As ações do estado são sujeitas ao julgamento por Deus da mesma maneira que o são as ações individuais. Leis assinadas pelo estado que não são prescritas ou autorizadas por Deus devem receber não menos que nosso ódio e desprezo e devemos fazer de tudo quanto estiver ao nosso alcance para anulá-las.

Pense bem: se devemos aceitar como justa a punição dada pela Indonésia ao senhor Asher pelo simples fato dele ter conhecimento das leis daquele país, então deveríamos aceitar como justas as mortes de judeus e outros povos pelo governo nazista, pelo simples fato de que estas eram as leis daquele país? As leis alemãs da era nazista proibiam que qualquer um escondesse um judeu em sua casa. Deveríamos supor que um cidadão alemão que, sendo preso por ajudar um pobre judeu em fuga do campo de concentração, teria uma punição justa porque ele sabia das leis de seu país? Creio que, pondo as coisas desta maneira, fica evidente o quão tola é esta opinião.

3) “ele era traficante, e as drogas que traficavam iriam destruir famílias.”

Que as drogas destroem famílias, isto é um fato que não se pode negar. Porém, não se pode negar, também, que o álcool, uma droga lícita no Brasil e em boa parte do mundo, também destrói famílias. Nem podemos negar, ainda, que Deus autoriza e abençoa o uso do álcool pelo eu povo, como fonte de alegria e diversão (Deuteronômio 14:26). Não se pode negar, além disso, que carros, computadores, sexo e outras coisas mais que Deus criou, ou que o homem desenvolveu pelo seu intelecto, são também o meio pelo qual a maldade inata ao homem traz muitos problemas. A questão que deve ser posta aqui é: o estado tem autorização divina para proibir a circulação e uso de drogas? A resposta é não. Outra pergunta ainda se faz necessária: mesmo que o estado tivesse tal autoridade, poderia ele punir com a morte aqueles que desobedecessem? Também, para esta pergunta, a reposta é não.

O Cristão é governado, em todas as suas ações e pensamentos pela lei de Deus. Nós não estamos autorizados a ter opiniões contrárias ao mandamento sagrado ou, ainda, a raciocinar de forma contrária à lei. Dito isto, devemos concluir, a respeito somente da punição aplicada pelo estado indonésio, que ela é injusta, ainda que possamos abominar o ato que praticou o brasileiro Marco Asher.

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